05/04/2016

"Gutenberg fez a primeira startup da história"


Alix Christie surpreendeu-se ao descobrir que Gutenberg não foi o único inventor da prensa. Teve um capitalista e um 'artista gráfico' a ajudá-lo a revolucionar o mundo.


"É preciso comportar-se como um imbecil para fazer qualquer coisa realmente nova". Quem faz esta afirmação sobre Gutenberg e a invenção da impressão é Alix Christie, a autora de O Aprendiz de Gutenberg. Não se fica por este exemplo para mostrar como a teimosia é fundamental para a inovação, dá também o do pintor Matisse, de quem em vida “todos detestavam o seu trabalho, mas não abdicou de pintar como queria” para mostrar como a atitude de Gutenberg resultou num dos saltos tecnológicos mais importantes para a humanidade. E por falar em teimosia e inovação, Alix Christie evoca também Bill Gates e Steve Jobs: “Só conseguiram o que queriam porque eram engenheiros muito focados em criar um produto e nunca aceiraram que a opinião de outros se sobrepusesse à sua. Essa é a única forma ou nunca teriam concretizado as revoluções que fizeram.”

O Aprendiz de Gutenberg é o primeiro romance que Alix Christie publica e tornou-se um sucesso nos vários países onde tem sido traduzido pelo choque que provoca nos leitores ao verem desfeito o mito de Gutenberg como o único inventor da prensa. “Ninguém sabe a verdadeira história de Gutenberg. Pensávamos que era um génio solitário ao fazer a segunda maior descoberta para alterar a história da humanidade após a invenção da roda, mas não é verdade. Se não fossem duas outras pessoas, o rico mercador Johann Fust e o escriba Peter Schoeffer, ele não teria conseguido”, esclarece a autora.

Alix Christie descobriu o argumento para o seu livro ao ler um artigo sobre como Gutenberg criara os caracteres para compor as linhas dos livros, só que ao investigar como é que tinha desenvolvido a prensa descobriu que nunca o conseguiria sem um grandioso investimento financeiro de Fust e a arte de copista de Schoeffer: “A atribuição dessa invenção a um homem só é a versão transmitida historicamente, mas não está correta. E só uns poucos especialistas académicos sabem a verdade.” Como é que essa coautoria não se tornou pública é a grande pergunta, a que Christie responde assim: “Gutenberg era muito grosseiro, conflituoso e queria o reconhecimento só para si, tendo lutado por essa memória até ao fim da vida. Aliás, era conhecido por colocar processos a toda a gente, até à noiva que não casou com ele.”

Como é que a autora descobre o papel do financiador e do escriba, é a pergunta que se segue: “Tive sorte porque falo alemão e pude consultar fontes que não são as inglesas e americanas sobre esse período da história. Além de que encontrei uma biografia sobre Peter Schoeffer, em que se percebia o seu papel na invenção atribuída a Gutenberg ao encontrar uma liga metálica suficientemente resistente. E também percebi que sem a contribuição financeira de Fust, que hoje rondaria vários milhões de euros, a concretização não seria possível.”

Christie acredita que a invenção acabaria por surgir mais cedo ou mais tarde porque era muita a procura por objetos que se tornariam os livros como se os vieram a conhecer. “As universidades tinham aparecido pouco tempo antes, havia uma burguesia que queria aprender e Gutenberg farejava os bons negócios, pois já produzia medalhas para os peregrinos que eram vendidas nas feiras. Ele queria ganhar dinheiro e não estava interessado em livros, apenas no lucro. A escolha da Bíblia como o grande projeto foi devido à influência do escriba Schoeffer, obra que tinha um grande potencial de leitores porque até então só era publicada parcialmente e em versões diferentes. O que agradou à própria Igreja.”

Inspirado em Steve Jobs

Para modelar o protagonista Gutenberg, Alix Christie inspirou-se em Steve Jobs: “Ambos eram muito coléricos e determinados. O processo de criação da prensa foi muito parecido ao que foi o do computador e da Internet. A oficina de ferreiro onde se moldavam e aperfeiçoavam os caracteres é comparável ao das pequenas empresas do Silicon Valley, onde as grandes novidades resultam da colaboração de várias pessoas. Ou seja, a invenção da imprensa por Gutenberg resultou da primeira startup do mundo. Havia a ideia de Gutenberg, o financiamento de Fust e a arte de Schoeffer.”

Não será por acaso que Alix Christie inventou a seguinte frase publicitária para O Aprendiz de Gutenberg “Antes de Zuckerberg houve Gutenberg”. Explica: “Nasci e vivi sempre no Silicon Valley, onde os que lá trabalham acham-se os salvadores do mundo. Depois de acabar o livro comecei a pensar no paralelismo entre a invenção de Gutenberg e a revolução digital de Bill Gates, Steve Jobs e Zuckerberg e encontrei o slogan.” Comparar a invenção do livro e a Internet é para Christie uma possibilidade real: “Creio que a transformação digital terá o mesmo impacto que a do livro e irá mudar a natureza humana. Não sabemos como isso irá acontecer, mas já se veem os efeitos do UBER nas empresas dos táxis, da Airbnb nos hotéis, do jornalismo online nos jornais em papel e do Facebook nas relações entre pessoas. Acho que eles criaram um novo mundo, o digital, e os que os seguiram acreditam “religiosamente” no que estão a fazer. O que é curioso, porque Peter Schoeffer era apaixonado pelo processo de reprodução tradicional, o do copista, e teve uma grande crise de fé porque sabia que se contribuísse para a invenção de Gutenberg iria matar a sua profissão e uma tradição literária de séculos. Em sua defesa, pensou que se estava metido no processo era por vontade de Deus. Tal como Gates, Jobs e Zuckerberg acreditam que estão a fazer o melhor à humanidade.”

Fonte: Diário de Notícias

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