30/01/2023

Resenha do Livro - A menina do Sol em Capricórnio (#2)

 



Você conhece a expressão fim de mundo? É bem comum usá-la para falarmos de lugares longes, de difícil acesso. Pois é, esse livro autobiográfico, é composto por memórias de alguém que cresceu em um lugar que alguns chamam de “fim de mundo”.

Tânia Míriam revela suas lembranças de infância, vividas no interior do norte de Minas Gerais. Um povoado chamado São João do Pequi, mais conhecido como Pequi.

Este livro é muito especial, e não apenas porque foi um presente do meu pai, com dedicatória da própria autora... mas porque eu também nasci no Pequi. Os lugares, costumes e até mesmo algumas pessoas narradas aqui fazem parte das minhas lembranças de infância. Os meus avós, tios e primos ainda vivem lá. No decorrer da resenha eu vou compartilhar também algumas memórias pessoais em relação a esse lugar.

Tânia foi uma criança criada por suas avós e tias. Seus pais se casaram bem novinhos, antes dos 20 anos. Um ano após o nascimento de Tania, seu pai foi tentar a sorte no Paraná, trabalhando no cultivo de milho e feijão. Ele adoeceu e faleceu quando ela tinha apenas 5 anos de idade, deixando a mãe de 24 anos com 4 filhos. Sem condições de criar os filhos a mãe de Tânia deixou-os com as avós e tias.

A infância de Tânia foi sem pai, sem mãe, em diferentes casas e diferentes famílias. A maior parte dessa fase ela viveu com a avó paterna no Pequi, a vovó Mença. E neste livro ela relata como era esse povoado naquela época, como as pessoas viviam, como era a escola, a vida de criança. Ela fala também sobre a seca, algo bem marcante no norte de Minas. Eu lembro de várias vezes quando passeava no Pequi da cena de pessoas com seus carotes buscando água na bica... Uma situação bem comum para os moradores do povoado.

Uma das partes que eu mais gostei está bem no começo do livro. Quando a autora afirma que vai falar sobre o Pequi real, de pessoas com qualidades e defeitos.

Algo muito necessário que Tânia inseriu no livro foi um dicionário. O mineiro já tem o costume de “engolir” o final das palavras, por exemplo: nós não falamos passarinho e sim: passarim. Além dessas palavras, na região do Pequi há algumas expressões únicas. E eu achei muito legal ela esclarecer. Eu amo essa riqueza cultural de cada lugar ter o seu vocabulário.

No decorrer da narrativa aparecem poemas originais da autora. Ela inseriu também as músicas que aprendia na escola e até mesmo umas receitas típicas.

As memórias de Tânia revelam como a criança era tratada naquele contexto... com violência, sem respeito, com exigência como se a criança fosse um mini adulto. E o mais interessante, é que ela conta como todas essas experiências moldaram quem ela se tornou. Como ela lidou com o sentimento de rejeição por ter sido deixada pela mãe, como as falas violentas ouvidas naquela época ecoaram por tanto tempo em sua vida adulta e influenciaram a visão que ela desenvolveu de si mesma.

 O mais lindo é ver que ela não omitiu nem desprezou qualquer lembrança. E além disso conseguiu compreender cada ato em seu contexto e assim costurar os retalhos de sua vida de uma forma muito bela, sem rancor.

Eu vivi vários momentos da minha infância no Pequi, brincando com meus primos e primas nas barrocas e morros. Memórias que guardo com muito carinho. Como eu mencionei no início eu nasci lá e vivi até os 2 anos de idade então a maior parte das minhas lembranças são de passeios para visitar os parentes ou férias que passei por lá. Quando era criança e adolescente eu tinha um problema... eu sentia muita vergonha por ter nascido naquele “fim de mundo”. Eu nasci em casa, não deu tempo de minha mãe ir para a cidade mais próxima. Eu sentia muita vergonha desse fato. Para completar meus primos me pirraçavam, me chamavam de “pequiseira”, o que aumentava ainda mais a minha vergonha. Na minha mente infantil era como se eu fosse menos do que as outras crianças só porque não tinha nascido em uma cidade. Fui registrada quando tinha 2 anos de idade, meu pai trocou meu nome e minha data de nascimento. Além de nascer no Pequi, ainda tinha toda esta confusão do registro.

Cresci e claro, não tenho mais problemas com esses fatos. Hoje eu entendo que não importa o lugar ou as circunstâncias que nascemos e sim quem nos tornamos. Nascer em um lugarejo isolado entre os morros, na chapada de Minas Gerais não faz de mim alguém inferior. As pessoas que vivem lá até hoje também não são inferiores. São os nossos atos, o que faço da minha vida é que determinará se vivo uma vida digna ou não.

Por mais que as pessoas possam inferiorizar as suas condições, elas não te definem. Você pode ter nascido no “fim do mundo”, mas se você faz algo para melhorar o lugar onde vive, você é uma pessoa grandiosa. Ler essa obra de Tânia, me fez reforçar ainda mais esse pensamento, e ter muito orgulho da minha origem humilde.

Não são os lugares, nem as circunstâncias que determinam quem nós seremos. Tânia teve uma infância difícil, e mesmo assim conseguiu estudar, formou-se em Economia, fez especialização em Comércio Exterior em uma universidade da Alemanha, onde atualmente vive. Hoje ela trabalha como coach de Comunicação Não-Violenta, é casada e muito realizada com seus dois filhos. Ela é um bom exemplo de que não somos reféns das circunstâncias.

Sua obra mais que um relato de memórias, diz respeito de um povo. Um povo do interior de Minas Gerais, que não deve ser esquecido... 

 

Título: A menina do sol em capricórnio

Autora: Tânia Míriam

Editora: Nova Consciência

Número de Páginas: 310


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