Você conhece a expressão fim de mundo? É bem comum usá-la para falarmos de lugares longes, de difícil acesso. Pois é, esse livro autobiográfico, é composto por memórias de alguém que cresceu em um lugar que alguns chamam de “fim de mundo”.
Tânia Míriam
revela suas lembranças de infância, vividas no interior do norte de Minas
Gerais. Um povoado chamado São João do Pequi, mais conhecido como Pequi.
Este livro é
muito especial, e não apenas porque foi um presente do meu pai, com dedicatória
da própria autora... mas porque eu também nasci no Pequi. Os lugares, costumes
e até mesmo algumas pessoas narradas aqui fazem parte das minhas lembranças de
infância. Os meus avós, tios e primos ainda vivem lá. No decorrer da resenha eu
vou compartilhar também algumas memórias pessoais em relação a esse lugar.
Tânia foi
uma criança criada por suas avós e tias. Seus pais se casaram bem novinhos,
antes dos 20 anos. Um ano após o nascimento de Tania, seu pai foi tentar a
sorte no Paraná, trabalhando no cultivo de milho e feijão. Ele adoeceu e
faleceu quando ela tinha apenas 5 anos de idade, deixando a mãe de 24 anos com
4 filhos. Sem condições de criar os filhos a mãe de Tânia deixou-os com as avós
e tias.
A infância
de Tânia foi sem pai, sem mãe, em diferentes casas e diferentes famílias. A
maior parte dessa fase ela viveu com a avó paterna no Pequi, a vovó Mença. E
neste livro ela relata como era esse povoado naquela época, como as pessoas
viviam, como era a escola, a vida de criança. Ela fala também sobre a seca,
algo bem marcante no norte de Minas. Eu lembro de várias vezes quando passeava
no Pequi da cena de pessoas com seus carotes buscando água na bica... Uma
situação bem comum para os moradores do povoado.
Uma das
partes que eu mais gostei está bem no começo do livro. Quando a autora afirma
que vai falar sobre o Pequi real, de pessoas com qualidades e defeitos.
Algo muito
necessário que Tânia inseriu no livro foi um dicionário. O mineiro já tem o
costume de “engolir” o final das palavras, por exemplo: nós não falamos
passarinho e sim: passarim. Além dessas palavras, na região do Pequi há algumas
expressões únicas. E eu achei muito legal ela esclarecer. Eu amo essa riqueza
cultural de cada lugar ter o seu vocabulário.
No decorrer
da narrativa aparecem poemas originais da autora. Ela inseriu também as músicas
que aprendia na escola e até mesmo umas receitas típicas.
As memórias
de Tânia revelam como a criança era tratada naquele contexto... com violência,
sem respeito, com exigência como se a criança fosse um mini adulto. E o mais
interessante, é que ela conta como todas essas experiências moldaram quem ela
se tornou. Como ela lidou com o sentimento de rejeição por ter sido deixada
pela mãe, como as falas violentas ouvidas naquela época ecoaram por tanto tempo
em sua vida adulta e influenciaram a visão que ela desenvolveu de si mesma.
O mais lindo é ver que ela não omitiu nem
desprezou qualquer lembrança. E além disso conseguiu compreender cada ato em
seu contexto e assim costurar os retalhos de sua vida de uma forma muito bela,
sem rancor.
Eu vivi
vários momentos da minha infância no Pequi, brincando com meus primos e primas
nas barrocas e morros. Memórias que guardo com muito carinho. Como eu mencionei
no início eu nasci lá e vivi até os 2 anos de idade então a maior parte das
minhas lembranças são de passeios para visitar os parentes ou férias que passei
por lá. Quando era criança e adolescente eu tinha um problema... eu sentia
muita vergonha por ter nascido naquele “fim de mundo”. Eu nasci em casa, não deu
tempo de minha mãe ir para a cidade mais próxima. Eu sentia muita vergonha
desse fato. Para completar meus primos me pirraçavam, me chamavam de
“pequiseira”, o que aumentava ainda mais a minha vergonha. Na minha mente
infantil era como se eu fosse menos do que as outras crianças só porque não
tinha nascido em uma cidade. Fui registrada quando tinha 2 anos de idade, meu
pai trocou meu nome e minha data de nascimento. Além de nascer no Pequi, ainda
tinha toda esta confusão do registro.
Cresci e
claro, não tenho mais problemas com esses fatos. Hoje eu entendo que não
importa o lugar ou as circunstâncias que nascemos e sim quem nos tornamos.
Nascer em um lugarejo isolado entre os morros, na chapada de Minas Gerais não
faz de mim alguém inferior. As pessoas que vivem lá até hoje também não são
inferiores. São os nossos atos, o que faço da minha vida é que determinará se
vivo uma vida digna ou não.
Por mais que
as pessoas possam inferiorizar as suas condições, elas não te definem. Você
pode ter nascido no “fim do mundo”, mas se você faz algo para melhorar o lugar
onde vive, você é uma pessoa grandiosa. Ler essa obra de Tânia, me fez reforçar
ainda mais esse pensamento, e ter muito orgulho da minha origem humilde.
Não são os
lugares, nem as circunstâncias que determinam quem nós seremos. Tânia teve uma
infância difícil, e mesmo assim conseguiu estudar, formou-se em Economia, fez
especialização em Comércio Exterior em uma universidade da Alemanha, onde
atualmente vive. Hoje ela trabalha como coach de Comunicação Não-Violenta, é
casada e muito realizada com seus dois filhos. Ela é um bom exemplo de que não
somos reféns das circunstâncias.
Sua obra
mais que um relato de memórias, diz respeito de um povo. Um povo do interior de
Minas Gerais, que não deve ser esquecido...
Título: A menina do sol em capricórnio
Autora: Tânia Míriam
Editora: Nova Consciência
Número de Páginas: 310
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